segunda-feira, 14 de maio de 2012

As palavras do dia


Há que percorrer a manhã, desde o descolar dos olhos até ao sentimento de realmente acordar que vem com os rituais do café, dos papéis em cima da mesa em pose de urgência. Até lá só o movimento dos gatos, o prazer da água no corpo, aquele arranjo mínimo para que a imagem entrevista no espelho seja agradável e a curta viagem de carro. Por todo o lado, há palavras que se cruzam na mente ainda entorpecida. Palavras que não se fixam, impressões de um momento que, no momento seguinte, fugiram. Nunca será possível reter em palavra escrita todos os flashes que a retina capta de uma forma incompleta.
O dia estende-se em obrigações de muitas palavras onde raramente existe a luz de um som inspirador. Só letras que parecem espantadas, brancas e quase sem sentido. As cores e os sons que chegam de fora são um apelo apetecível. Vão sendo arrumados na memória para um dos dias libertadores de palavras.
A tarde acrescenta a melancolia que lhe é própria, como se a luz se fosse a pouco e pouco esvaindo, trazendo tonalidades próximas do sonho à banalidade das horas. Por vezes, versos soltam-se com os raios de sol que se despedem e volteiam no dourado do poente. É no final do dia e na noite, que acorda todas as interrogações, que dos dedos saem palavras que precisam ser escritas, frases vindas de improváveis recordações, uma espécie de carga em bruto que luta para tomar forma. As palavras do dia.

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